domingo, 6 de março de 2016

Querida Ana, eu fiquei presa em um banheiro.

Brasília, 7 de Março de 2016.

Querida Ana,

Dois fatos sobre mim:
1) Meias molhadas me deixam estressada.
2) Coisas  muito estranhas acontecem comigo , com uma frequência assustadora.

Uma vez que você lembre-se desses curiosos detalhes sobre minha pessoa, o caso que eu vou contar começa a ter um pouco mais de credibilidade. Um pouco.

 Você lembra que em 2012 eu entrei na universidade. Eu já não era tão nova assim, você sabe. Eu já sabia me virar bem e aceitava o fato de não conhecer ninguém. Eu era uma caloura, tinha acabado de voltar da Venezuela depois de morar dois anos lá... Não esperava ser a rainha da popularidade, e de fato não fui.

Durante as horas que eu não tinha aula, eu lia os livros da faculdade, lia muito livros aleatórios, andava a esmo pelo campus escutando música (o mesmo CD em loop eterno, diga-se de passagem)

Parece solitário, mas não era tanto assim. Na verdade era até bem divertido. Conheci quase todo o campus da universidade dessa forma. É  claro que eu me perdi algumas vezes... E com algumas vezes eu quero dizer, UM MONTE de vezes.  Contexto geral, no entanto, eram momentos que eu passava sozinha, mas não solitária.

Certo dia,  eu estava esperando a aula das duas da tarde começar, então resolvi ir ao banheiro, pra não precisar sair no meio da aula - minha bexiga é minúscula, você bem sabe disso minha querida amiga.   O banheiro  que eu fui é um daqueles super coletivo, para a universidade toda,  sabe aqueles que não ficam no meio do campus, e não dentro dos prédios das faculdades?  Então, era desse tipo.  Não era um banheiro grande, muito menos era um banheiro exatamente limpo, mas qual seria minha outra opção?  Eu estava apertada e não podia simplesmente  molhar as calças.

Pulemos os detalhes mais sórdidos e vamos direto a parte em que eu estava na cabine de bexiga vazia, sorriso na cara e pronta pra sair. Foi aí        que começou todo meu problema...

Antes que pudesse sair, ouço duas pessoas entrarem.  Até aí tudo bem, pessoas entram em banheiros públicos o tempo todo.  Mas então eu ouvi a porta do banheiro ser trancada, não estou falando das tranquinhas da cabine, mas a porta do banheiro todo!

Eu achei estranho, mas ainda sim eu queria sair, minha aula começava em dez minutos.  Mão na porta,  mochila no ombro  e...

Uma voz do lado de fora  começou a chorar. 

 E não, não era um choro controlado, duas fungadinhas e uma lágrima. Não, meu amor, estamos falando de um senhor berreiro. Com soluços  descontrolados, fungadas profundas, voz trêmula e aqueles barulhos estranhos que uma pessoa faz quando está se acabando em lágrimas .

 Eu fiz a única coisa racional naquele momento.

Baixei a tampa da privada silenciosamente, e me sentei.  Não queria atrapalhar a intimidade da pessoa que chorava.

Uma pessoa chorava. Chorava muito, muito, muito mesmo, então uma segunda voz sobressaiu e falou, e a voz que chorava respondeu.  O que gerou um diálogo um pouco disforme e estranho.  Não lembro exatamente as palavras, mas era algo nas linhas:

– Você tem certeza que deu positivo?
– Teeeeeeeeeeenho - respondeu a voz que chorava.
– Hm... E o que você vai fazer? Falar com seus pais?  Falar com ele?

Não sou nenhum expert em sentimentos alheios, mas acho que essa não foi a pergunta mais  sensível a ser feita, porque a chorona debulhou-se em mais lágrimas.  Ficou assim por quase dois minutos. Nessa hora eu já tinha começado a abrir a mochila,  tirar os papéis velhos de dentro dela e silenciosamente coloca-los no lixo.  Verdade seja dita, aquela era uma faxina que eu estava adiando há tempos. E a conversa continuou.

– Meus pais vão me matar - quem disse isso foi a Chorona - Ele vai me matar. O que eu vou fa-fa-fazeeeer?
– Você tem que tomar uma decisão. Eu vou te apoiar no que for amiga. – respondeu a Amiga-sem-tato.
– O que você quer dizer?
                Silêncio
– Você acha que eu teria coragem de fazer uma coisa dessas?! Tirar meu ... Meu ... –a chorona voltou a chorar, mais alto e barulhento que antes. O que foi uma surpresa pra mim, eu achei que ela já tinha alcançado seu máximo antes. 
- Então você vai assumir?
- Eu não sSEEeEeEIII

Eu sentada na tampa da privada,  limpando as minhas canetas e meu estojo, já tinha chegado a duas conclusões quando percebi que não tinha mais papel na minha mochila:
Primeira, eu ia chegar atrasada na aula.
Segunda, a Chorona estava  ou grávida, ou fazia parte de uma organização criminosa querendo fugir.  Minhas fichas estavam na primeira opção.

A Chorona e  Amiga-sem-tato ficaram conversando por um tempo.  E nesse tempo eu descobri que:
1) Minha mochila estava realmente um grande um lixo.
2) A Chorona tinha um namorado  e ele não sabia o que estava acontecendo. E naquele momento eu sentia muita inveja dele por estar em uma posição de ignorância.
 3) A Amiga-sem-tato dava muitas ideias, e a maioria delas fazia a Chorona se afogar nas próprias lágrimas.
4) Havia dois reais  dentro de um bolso interno na mochila.
5) A Chorona amava o namorado.
6) A Amiga-sem-tato achava o namorado da Chorona um bosta. 
7) Tinha  uma prova minha da sétima série naquela mochila, eu realmente era ruim em matemática.  

Resumo da ópera, a Chorona e a Amiga-sem-tato  ficaram lá no banheiro trancado por uma hora e vinte minutos.  Minha aula tinha ido pro brejo, minha bunda estava quadradíssima, a Chorona não parou de chorar um minuto se quer e eu estava começando a ficar preocupada. Será que ela estava desidratando? Porque eu não a escutei parando de chorar pra tomar um gole d’agua nem nada.

Depois dessa epopeia minha mochila estava limpíssima, meus cadernos organizados, minhas canetas estavam  todas com tampa e eu tinha dois reais extras.  É claro que eu perdi a aula, e também é claro que eu NUNCA mais fui àquele banheiro de novo.

Só que uma coisa me entristece nessa história toda, eu não soube o que aconteceu depois... A chorona estava grávida mesmo? Os pais dela a expulsaram  de casa?  O namorado fez alguma coisa? Ela finalmente parou de escutar o conselhos da Amiga Sem-Tato? 

Eu não sei Ana, de verdade eu não sei...  Mas isso até hoje me perturba.





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